ENTREVISTAS
Buscando um panorama mais amplo de todas as formas e vivências que o trabalho literário pode proporcionar, o Mapeamento entrevistou quatro escritores e trabalhadores da literatura de Florianópolis, Sig Schaitel, Telma Scherer, Valdir Jr e Laila Enby Langhammer.
Sig Schaitel, da Cia Mafagafos, faz parte dos 20% de profissionais que obtêm a totalidade de sua renda através da literatura, e o mais surpreendente é que cerca de 95% dela provém de recursos públicos, tais como contratações por projetos de leis de incentivo e editais da FCC, do Fundo Municipal de Cultura e da lei Aldir Blanc. No entanto, é importante observar que tais recursos não apresentam regularidade. Se no passado os recursos vinham de feiras do livro e apresentações da Cia em diferentes cidades, hoje eles vêm, predominantemente, de projetos inscritos em editais, como é o caso das Bebetecas, as bibliotecas para bebês.
Para Sig, os recursos advindos de editais predominam, pois há muita dificuldade na captação de recursos através das leis de incentivo. O ideal seria estabelecer parcerias com produtoras experientes na área de captação de recursos, uma vez que é pouco viável depender apenas de editais da Prefeitura de Florianópolis.
Schaitel também possui um histórico de envolvimento no Conselho Municipal de Política Cultural de Florianópolis e, atualmente, integra o Fórum Setorial de Humanidades, Leitura e Literatura. Ele compartilha que a interação com a prefeitura nunca foi simples, e que a falta de continuidade dos projetos e editais realizados pela prefeitura, que por vezes não consegue sequer organizar uma feira do livro, gera uma sensação de descrença nos artistas.
Com base em sua experiência, Sig Schaitel oferece algumas sugestões para quem quer se inscrever em editais. A primeira delas é examinar os editais com atenção, identificando aqueles que melhor se alinham ao perfil de seu projeto. Além disso, é recomendado estudar o histórico do edital, especialmente os projetos anteriores que foram contemplados. Também é interessante fazer cursos de desenvolvimento de projetos para editais, para melhorar os seus próprios projetos e potencializar a chance de ser contemplado.
A professora de literatura da UFSC, Telma Scherer, também é autora com livros publicados, embora sua renda provenha do salário da universidade e não da venda de livros. Como está envolvida no ambiente universitário, ela observa de perto a entrada de jovens no mercado literário e nota uma escassez de incentivos e divulgação de oportunidades para os jovens escritores. Uma sugestão que ela levanta para auxiliar esses autores é a criação de um prêmio de revelação literária. Telma compartilha com seus alunos a insegurança que muitos sentem ao participar de editais, e, assim como Sig, enfatiza a importância de frequentar cursos que os auxiliem na elaboração de propostas para editais, como ela própria já fez.
Outro aspecto a ser considerado é a divulgação dos editais. É de extrema importância criar novos caminhos para a circulação de informação, fazendo com que todos os artistas da cidade tenham ciência da existência dos editais e das oportunidades por ele oferecidas. Também, existe a necessidade de criar mecanismos de descentralização dos recursos dos editais, para não restringir as oportunidades sempre às mesmas pessoas que já foram contempladas, possibilitando assim que os recursos cheguem a um maior número de artistas.
Ao abordar as políticas públicas voltadas para os profissionais da literatura em Florianópolis, Telma destaca a existência de um abismo entre o que é institucionalizado e o que é produzido efetivamente. Embora haja uma variedade de eventos, a participação institucional é limitada. A Feira do Livro de Florianópolis, por exemplo, tem sua programação cultural restrita, ausência de editoras independentes locais e aborda o livro apenas como um produto comercializável.
Telma percebe uma riqueza na produção literária local, destacando saraus e slams realizados na cidade como exemplos da diversidade e potência que a literatura regional, em suas mais diversas formas, oferece ao público, mas ressalta a disparidade existente entre a criação literária e a falta de apoio governamental.
Uma das principais preocupações que Telma compartilha com seus alunos é a falta de confiança em um futuro como escritores ou profissionais da literatura, uma vez que muitos não veem um horizonte claro para trabalhar com literatura fora do ambiente acadêmico, o que leva a uma diminuição na produção literária durante o período universitário.
Valdir Jr é um agitador cultural incansável, tendo suas raízes no Hip Hop. Para ele, a literatura é considerada um dos elementos do Hip Hop. Entre os profissionais do movimento, Valdir Jr foi o único a preencher o formulário desse mapeamento, e acredita que talvez outros profissionais não considerem a literatura como trabalho, principalmente porque muitos não estão formalmente engajados, apesar de tendências recentes como saraus literários e slams, que estão revelando novos e promissores poetas, muitos não se consideram escritores por não terem publicado livros.
Além de sua atuação cultural, Valdir possui um livro publicado e realiza divulgações em escolas, não apenas de seu livro, como de outros do catálogo da editora que publicou sua obra. Sua renda na área literária é derivada principalmente de seu serviço de consultor comercial para editoras de livros didáticos, e nunca recorreu a editais para impulsionar seus projetos. Valdir também compartilha da mesma ideia de Sig e Telma, ressaltando a importância de cursos para auxiliar aqueles que buscam submeter seus projetos em editais. Ele também destaca a necessidade de ampliar o acesso às políticas públicas, que ao seu ver há uma falta de acesso e conhecimento em relação ao Fórum Setorial de Humanidades, Leitura e Literatura, ao Conselho Municipal de Política Cultural, e aos editais culturais.
Laila Enby Langhammer é uma pessoa não binária, autista e TDAH, escritor e também nunca se inscreveu em editais. Ele ressaltou a importância do poder público pensar nas pessoas com deficiência quando produz os editais, não só traduzindo-os para Libras, como alguns fazem, mas também consultando PcDs, ONGs e Institutos que possam dar orientações e mentorias para essas questões. Laila concorda que oficinas de formação sobre editais são importantes e podem diminuir a ansiedade de neurodivergentes como ele, mas que é preciso não individualizar o problema e colocar a responsabilidade de conseguir participar de editais nas costas do indivíduo, quando o problema é muito mais amplo do que isso.
Laila faz parte dos 44% de trabalhadores da literatura da cidade que não recebe nenhuma remuneração por seu trabalho, no entanto, por ser um jovem escritor, prevê que logo receberá, de acordo com o financiamento coletivo de seu primeiro livro, "Tudo Aqui Dentro São Cacos", além de uma porcentagem das vendas do mesmo pelo site da Editora Toma Aí Um Poema. Sobre esta forma de financiamento de publicações, Laila recomenda muito, e, para quem pretende viabilizar seus livros através de crowdfunding, ele sugere pesquisar bem antes de se aventurar nessa área, ver como outras pessoas e editoras têm feito, focar na divulgação e entrar em contato com muitas pessoas, online e pessoalmente, pois isso pode fazer toda a diferença no sucesso de uma campanha.
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Patrocinado pela Prefeitura de Florianópolis por meio do Edital de Apoio às Culturas 2021.