BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS:
A democratização do acesso ao livro e à cultura
Lançada em 2020, a 5ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” perguntou aos leitores de Florianópolis sobre o seu conhecimento a respeito de bibliotecas e a regularidade com que frequentam estes ambientes. Dos entrevistados, 54% responderam que sabem ou ouviram falar da existência de uma biblioteca pública na cidade ou bairro, já ao se tratar de bibliotecas comunitárias, apenas 23% responderam que sabem ou ouviram falar da existência de alguma. Porém, ao se falar em frequentar estes ambientes, 56% responderam que não frequentam, 22% que frequentam raramente e 22% que frequentam sempre ou às vezes.
Diferentemente das bibliotecas públicas, financiadas pelos municípios ou estados, as bibliotecas comunitárias enfrentam constantes dificuldades em manter as portas abertas. Geralmente, as bibliotecas comunitárias se sustentam através de doações, sejam financeiras ou mesmo de livros para compor o acervo, e em sua maioria contam com o auxílio de colaboradores voluntários. Mesmo assim, os custos fixos, como aluguel, água, luz e internet, ainda são obstáculos para a sua continuidade.
De Florianópolis, temos dois exemplos de bibliotecas comunitárias que tiveram seu funcionamento afetado por instabilidades financeiras. A Bilica (Biblioteca Livre do Campeche), inaugurada em 2007, está temporariamente desativada, com seus livros aguardando uma nova sede. Já a Barca dos Livros, criada também em 2007, na Lagoa da Conceição, no momento se encontra como Barquinha Biruta, e está situada em uma escola básica municipal no Rio Tavares desde o final de 2022, após passar três anos com seu acervo parado por falta de um lugar para reabrir.
A Barca dos Livros sempre esteve vinculada à Sociedade Amantes da Leitura, que também dependia de doações, mas que, como grupo, buscava colaborações mais diversas, financiamentos coletivos, parcerias públicas ou privadas para os projetos, incluindo a biblioteca e os passeios literários de barco pela Lagoa da Conceição. Em 2014, a Barca dos Livros recebeu o prêmio de melhor biblioteca comunitária do Brasil no Prêmio Vivaleitura, promovido pelo Ministério da Cultura, Ministério da Educação e pela Organização dos Estados Ibero-Americanos. Este reconhecimento contribuiu para a prefeitura ajudar na busca por uma nova sede e isenção de aluguel, mas os benefícios duraram apenas por um ano e deixaram a biblioteca com ainda mais dívidas. Quanto à Bilica, embora esta tenha se mantido através de doações de moradores da comunidade e de seus usuários, por ser considerada um Ponto de Cultura, a biblioteca recebeu, pontualmente, recursos públicos federais para aquisição de acervo e estantes. Ainda assim, embora os auxílios recebidos, com o aumento no preço do aluguel, a Bilica foi obrigada a fechar as portas.
As bibliotecas comunitárias são mais do que apenas espaços para livros, são tão importantes quanto parques, praças e campinhos de futebol, oferecendo um local para as pessoas se encontrarem e fazerem o que gostam. Elas proporcionam o encontro não apenas com livros, mas com novas histórias, com novos conhecimentos. Funcionam como centros culturais para as comunidades, com apresentações artísticas, contação de histórias, lançamentos de livros, grupos de leitura, espetáculos culturais, podendo mesmo oferecer aulas de teatro, de música e inglês, como fazia a Bilica. As atividades culturais são formas de divulgar as próprias bibliotecas e atrair pessoas, afirma Tereza Franzoni, representante da Bilica. Tereza ressalta também que, por serem espaços de uso coletivo, gratuitos e não estatais, as bibliotecas comunitárias proporcionam uma maior liberdade para a comunidade frequentar e utilizar estes espaços.
Na Bilica, eram as crianças e as pessoas mais velhas que regularmente frequentavam o espaço, enquanto na Barquinha Biruta, atualmente, é a comunidade escolar, embora esta se abra cada vez mais para o bairro e para outras escolas da região. Como a biblioteca escolar já existe, a Barquinha Biruta é como um parque de diversões com livros, de acordo com Eleonora, representante da Barca dos Livros.
Tereza lembra do início da Bilica, quando pensavam que precisariam fazer campanhas de incentivo à leitura. No entanto, quando começaram a oferecer livros e, principalmente, a melhorar a qualidade do material oferecido, perceberam que o interesse pelos livros já estava presente na comunidade, pois muitas pessoas começaram a procurar a biblioteca em busca de algo para ler.
A partir dos anos de experiência da Bilica e da Barca dos Livros, é possível tirar muitas dicas para novas bibliotecas. Tereza destaca a importância de se organizar uma biblioteca a partir da demanda. Inicialmente, na Bilica, a tendência era organizar como conheciam, e como boa parte dos voluntários eram professores e estudantes universitários, era natural que as referências de organização fossem as bibliotecas universitárias. Porém, com o passar do tempo, perceberam que as demandas da comunidade eram diferentes da de uma biblioteca universitária. Ali, na Bilica, a literatura sempre foi a mais procurada, assim, os livros universitários de pedagogia, sociologia, antropologia foram sendo substituídos por livros de literatura.
Para além da organização das estantes, Eleonora, da Barca dos Livros, ressalta a necessidade de tornar o espaço atrativo para cada comunidade, permitindo que as pessoas se sintam à vontade no local, se sintam em casa. Se a biblioteca for frequentada por muitas crianças, é importante ter brinquedos, almofadões e tapetes no chão. Se o público é frequentemente de pessoas mais velhas, é melhor ter cadeiras confortáveis.
Outro ponto a se prestar atenção é sobre o perfil da comunidade em que a biblioteca está inserida, perfil este que pode mudar ao longo do tempo, influenciando o tipo de biblioteca que ela se tornará. Quando a Bilica foi criada, no Campeche, Tereza lembra que o perfil da comunidade era de moradores locais, assim como o dos voluntários, que também eram da região. Nessa época, a população local, que tinha menos acesso aos livros, estranhou a abertura da biblioteca. No entanto, com o passar do tempo, a comunidade começou a frequentar o espaço. O perfil da comunidade também foi mudando, com uma população de renda mais alta chegando ao bairro, e que também procurou frequentar a biblioteca.
Conciliar o empréstimo de livros e atividades culturais mantém as pessoas engajadas e vivas, além de que mais pessoas são atraídas para as bibliotecas comunitárias e, consequentemente, para a leitura. O vínculo com escolas, principalmente as públicas, é uma forma de trazer mais gente para o mundo dos livros, especialmente crianças e adolescentes. Mas a contribuição das bibliotecas comunitárias vai muito além dos livros físicos, elas têm um papel significativo na promoção da cultura, da educação e da socialização nas comunidades em que estão inseridas.
Fontes:
5ª Edição da pesquisa “Retratos da Literatura no Brasil, disponível em: https://www.prolivro.org.br/edicao5-florianopolis-sc/ Entrevistas com Tereza Franzoni, da Bilica, e Eleonora, da Barquinha Biruta